A vida e as vidas da BR-101
Estrada é o que leva aonde se quer ir. Mas às vezes o que acontece entre a chegada e a partida é mais importante que o destino em si. Às vezes, a vida acontece no meio do caminho. Se esse caminho é uma rodovia federal, responsável por ligar as capitais litorâneas do Brasil, a vida acontece não somente ÀS VEZES, mas PRINCIPALMENTE no meio do caminho. A tal ponto que o próprio caminho, a própria BR-101, parece ganhar vida própria em meio ao trânsito de motoristas particulares, caminhoneiros e vendedores. A BR vive.
Amílton Menezes tem 44 anos e, embora já tenha tentado, não consegue largar as margens da BR-101. Ele é o que popularmente se conhece como “chapeiro” ou “chapa”. Os “chapas” ficam à espera dos caminhões que passam pela estrada, à beira da rodovia, e descarregam os caminhões nos locais de entrega. Quem viaja identifica facilmente essa espécime peculiar das beiras de estrada. Estão sempre agrupados nas proximidades de postos de gasolina ou de fiscalização. Amílton monta guarda no Posto Fiscal de Caraú, perto da divisa com a Paraíba. “Já tentei trabalhar com carteira assinada, mas não deu certo. Prefiro ficar aqui, já conheço todo mundo e sei a vida da estrada”, diz.
A fala do “chapeiro” deixa entrever que literalmente às margens sobrevive uma rotina, um funcionamento próprio umbilicalmente ligado à BR-101. No caso do Rio Grande do Norte, com dois trechos de BR-101, sendo um como ligação com a Paraíba e outro entre a Zona Norte de Natal e Touros, são vendedores de frutas, camarões, caranguejos, “chapas”, frentistas, táxis que transportam pessoas de forma ilegal, prostitutas, motoristas de caminhões que ocupam principalmente a porção sul, perto da Paraíba. A estrada atrai riqueza e as pessoas naturalmente procuram se estabelecer ao seu redor.
Alex RégisA rodovia corta o estado de norte a sul, seguindo pelo litoralA rodovia corta o estado de norte a sul, seguindo pelo litoral
Esse é o caso de Roberto Melo, de 38 anos. Vendedor de caranguejos e goiamuns, Roberto deixou de entregar de casa em casa para vender à beira de pista. E tem ganhado mais. “Chego a vender mais de R$ 50 por dia agora. Saio de casa de madrugada e volto à tardinha”, relata. Roberto não é casado, mas tem três filhos e todos eles dependem da BR-101, com seu tráfego intenso, para sobreviver. Assim como o Estado do Rio Grande do Norte.
Cerca de 90% das mercadorias que chegam ao RN passam pelo Posto Fiscal de Carau, segundo a Secretaria Estadual de Tributação. Alimentos, móveis, materiais de construção, veículos, ferramentas, roupas, etc. Quase tudo o que é necessário se comprar nesse Estado tem a BR-101 como porta de entrada. Em outras palavras, 90% do que o Rio Grande do Norte arrecada em termos de ICMS. Um cálculo simples demonstra que cerca de R$ 2,5 bilhões de reais adentraram o Estado através daquela via. Uma atividade tão intensa alimenta a vida à beira da estrada e vice-versa. Na mesma porção em que tantas pessoas dependem da BR para viver, a BR também depende dessas pessoas para atingir o seu principal objetivo: interligar pessoas e escoar a produção.
Esse diálogo fica mais evidente ao se observar a rotina nos arredores do Posto Fiscal. Por lá, caminhoneiros esperam o carimbo de pagamento de impostos para seguir viagem. Quando há atrasos, a vida na estrada aparece. Formam-se grupos de conversa afinal muitos são amigos, se conhecem de muito tempo e de tantas outras paradas e atrasos em postos fiscais pelo país. A aglomeração chama os vendedores, de cerveja, refrigerante, tomados no pátio de posto ou em uma churrascaria que fique ali perto. À noite, o comércio muda de figura. Saem os comerciantes de comida e bebida e entram em ação as prostitutas. Amores clandestinos para homens tão distantes de suas casas. No outro dia, notas fiscais carimbadas, impostos em dia, é hora de seguir novamente pela estrada.
Movimentação no trecho Norte é menos intensa
Se por um lado a BR-101 é responsável por boa parte do movimento de carros e mercadorias no Rio Grande do Norte, do outro – no caminho das praias do litoral norte – a situação é mais calma. O trecho norte – entre a zona Norte de Natal e a praia de Touros – tem um movimento muito inferior ao do trecho sul. Não é coincidência. O professor do Departamento de Engenharia Civil da UFRN, Enilson Medeiros, explica. “Na porção Norte, estão cidades turísticas, sem uma produção forte, enquanto que no Sul está a capital do Estado. Além disso, aquela entrada pela BR-101 na divisa com a Paraíba é a ligação com as cidades das regiões Sul e Sudeste”, explica.
Em outras palavras, a rodovia sozinha não é capaz de gerar desenvolvimento, nem de atrair ou criar um rico universo ao seu redor. A medida da estrada é aquilo que ela liga. No caso dos trechos Sul, com cidades como Natal, Parnamirim e Goianinha na rota, há o que circular. Já no Norte, o movimento só aumenta nas férias. Nesse viés, a estrada ganha um outro sentido. Além de abrigar rotinas, vidas que circulam ao redor de sua riqueza, a estrada aqui é o vetor de desenvolvimento. E a duplicação da BR-101 é um exemplo importante desse processo.
A duplicação provoca um encurtamento virtual das distâncias. Em termos absolutos, a distância é mesma, mas percorrida em muito menos tempo. Desse forma é como se o destino ficasse “mais perto”. Se formos pensar em termos econômicos, há vários ganhos. Os custos são menores e dessa forma é possível fazer os produtos chegarem a locais mais distantes com um gasto menor. Mais mercado, eis um ganho. Em segundo lugar, como haverá mais mercado, conseqüentemente haverá mais demanda e a produção será em maior escala. Como se sabe, a produção em escalas maiores barateia – mais uma vez- os custos finais.
Dessa forma, o professor Enilson Medeiros imagina que a duplicação da BR-101 irá ser um fator determinante no desenvolvimento do turismo no Litoral Sul do RN. Se por um lado praias como Pipa já tinham um crescimento acentuado, outras como Baía Formosa, mais distante, poderão receber um maior número de turistas em breve. “É um tendência a médio e longo prazo com a duplicação”, aponta Enilson.
* Tribuna do Norte
Amílton Menezes tem 44 anos e, embora já tenha tentado, não consegue largar as margens da BR-101. Ele é o que popularmente se conhece como “chapeiro” ou “chapa”. Os “chapas” ficam à espera dos caminhões que passam pela estrada, à beira da rodovia, e descarregam os caminhões nos locais de entrega. Quem viaja identifica facilmente essa espécime peculiar das beiras de estrada. Estão sempre agrupados nas proximidades de postos de gasolina ou de fiscalização. Amílton monta guarda no Posto Fiscal de Caraú, perto da divisa com a Paraíba. “Já tentei trabalhar com carteira assinada, mas não deu certo. Prefiro ficar aqui, já conheço todo mundo e sei a vida da estrada”, diz.
A fala do “chapeiro” deixa entrever que literalmente às margens sobrevive uma rotina, um funcionamento próprio umbilicalmente ligado à BR-101. No caso do Rio Grande do Norte, com dois trechos de BR-101, sendo um como ligação com a Paraíba e outro entre a Zona Norte de Natal e Touros, são vendedores de frutas, camarões, caranguejos, “chapas”, frentistas, táxis que transportam pessoas de forma ilegal, prostitutas, motoristas de caminhões que ocupam principalmente a porção sul, perto da Paraíba. A estrada atrai riqueza e as pessoas naturalmente procuram se estabelecer ao seu redor.
Alex RégisA rodovia corta o estado de norte a sul, seguindo pelo litoralA rodovia corta o estado de norte a sul, seguindo pelo litoral
Esse é o caso de Roberto Melo, de 38 anos. Vendedor de caranguejos e goiamuns, Roberto deixou de entregar de casa em casa para vender à beira de pista. E tem ganhado mais. “Chego a vender mais de R$ 50 por dia agora. Saio de casa de madrugada e volto à tardinha”, relata. Roberto não é casado, mas tem três filhos e todos eles dependem da BR-101, com seu tráfego intenso, para sobreviver. Assim como o Estado do Rio Grande do Norte.
Cerca de 90% das mercadorias que chegam ao RN passam pelo Posto Fiscal de Carau, segundo a Secretaria Estadual de Tributação. Alimentos, móveis, materiais de construção, veículos, ferramentas, roupas, etc. Quase tudo o que é necessário se comprar nesse Estado tem a BR-101 como porta de entrada. Em outras palavras, 90% do que o Rio Grande do Norte arrecada em termos de ICMS. Um cálculo simples demonstra que cerca de R$ 2,5 bilhões de reais adentraram o Estado através daquela via. Uma atividade tão intensa alimenta a vida à beira da estrada e vice-versa. Na mesma porção em que tantas pessoas dependem da BR para viver, a BR também depende dessas pessoas para atingir o seu principal objetivo: interligar pessoas e escoar a produção.
Esse diálogo fica mais evidente ao se observar a rotina nos arredores do Posto Fiscal. Por lá, caminhoneiros esperam o carimbo de pagamento de impostos para seguir viagem. Quando há atrasos, a vida na estrada aparece. Formam-se grupos de conversa afinal muitos são amigos, se conhecem de muito tempo e de tantas outras paradas e atrasos em postos fiscais pelo país. A aglomeração chama os vendedores, de cerveja, refrigerante, tomados no pátio de posto ou em uma churrascaria que fique ali perto. À noite, o comércio muda de figura. Saem os comerciantes de comida e bebida e entram em ação as prostitutas. Amores clandestinos para homens tão distantes de suas casas. No outro dia, notas fiscais carimbadas, impostos em dia, é hora de seguir novamente pela estrada.
Movimentação no trecho Norte é menos intensa
Se por um lado a BR-101 é responsável por boa parte do movimento de carros e mercadorias no Rio Grande do Norte, do outro – no caminho das praias do litoral norte – a situação é mais calma. O trecho norte – entre a zona Norte de Natal e a praia de Touros – tem um movimento muito inferior ao do trecho sul. Não é coincidência. O professor do Departamento de Engenharia Civil da UFRN, Enilson Medeiros, explica. “Na porção Norte, estão cidades turísticas, sem uma produção forte, enquanto que no Sul está a capital do Estado. Além disso, aquela entrada pela BR-101 na divisa com a Paraíba é a ligação com as cidades das regiões Sul e Sudeste”, explica.
Em outras palavras, a rodovia sozinha não é capaz de gerar desenvolvimento, nem de atrair ou criar um rico universo ao seu redor. A medida da estrada é aquilo que ela liga. No caso dos trechos Sul, com cidades como Natal, Parnamirim e Goianinha na rota, há o que circular. Já no Norte, o movimento só aumenta nas férias. Nesse viés, a estrada ganha um outro sentido. Além de abrigar rotinas, vidas que circulam ao redor de sua riqueza, a estrada aqui é o vetor de desenvolvimento. E a duplicação da BR-101 é um exemplo importante desse processo.
A duplicação provoca um encurtamento virtual das distâncias. Em termos absolutos, a distância é mesma, mas percorrida em muito menos tempo. Desse forma é como se o destino ficasse “mais perto”. Se formos pensar em termos econômicos, há vários ganhos. Os custos são menores e dessa forma é possível fazer os produtos chegarem a locais mais distantes com um gasto menor. Mais mercado, eis um ganho. Em segundo lugar, como haverá mais mercado, conseqüentemente haverá mais demanda e a produção será em maior escala. Como se sabe, a produção em escalas maiores barateia – mais uma vez- os custos finais.
Dessa forma, o professor Enilson Medeiros imagina que a duplicação da BR-101 irá ser um fator determinante no desenvolvimento do turismo no Litoral Sul do RN. Se por um lado praias como Pipa já tinham um crescimento acentuado, outras como Baía Formosa, mais distante, poderão receber um maior número de turistas em breve. “É um tendência a médio e longo prazo com a duplicação”, aponta Enilson.
* Tribuna do Norte
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