Cidades com população em extrema pobreza
O que os municípios de João Dias, Paraná e Venha Ver têm em comum, além da localização geográfica, das ruas arborizadas e praças bem cuidadas? As três estão no topo da pobreza extrema no Rio Grande do Norte, segundo ranking elaborado com base no Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em João Dias, quase metade da população tem renda familiar per capita abaixo de R$ 70 mensais; em Paraná 35,5% e em Venha Ver, cidade que conquistou emancipação política na safra de 1996, o índice de pobreza é de 34,4%.
Os números do IBGE mostram também que municípios com grande potencial econômico, caso de Upanema e Guamaré, aparecem com alto grau de pobreza. Em Upanema, um em cada três habitantes está nesta situação, enquanto em Guamaré o índice é de 14,8%.
Na outra ponta da escala estão municípios como Parnamirim, Natal, Caicó e Mossoró. Entre os dez municípios com menor índice de pobreza, sete são da região do Seridó. "Isso mostra que o combate à miséria não depende de projetos mirabolantes. A região do Seridó há muito não recebe grandes projetos desenvolvimentistas. No entanto, tem os melhores índices de desenvolvimento humano", diz o economista Aldemir Freire, chefe da Unidade Estadual do IBGE no Rio Grande do Norte.
O menor porcentual de pobreza foi verificado na cidade de Timbaúba dos Batistas. Apenas 4,01%. Lá, os recenseadores do IBGE encontram 92 pessoas com renda familiar abaixo de R$ 70 por mês. A lógica seria o Vale do Açu, com seu potencial econômico proporcionado pela produção de energia, sal, camarão, fruticultura, petrolífero, cerâmico e ferro, ser a região mais rica e mais desenvolvida do Rio Grande do Norte. Porém, ironicamente a cidade mais rica do Estado é também a que tem a população mais pobre, no caso Guamaré.
"Não dá para construir um aeroporto em cada cidade. A saída é trabalhar as vocações", reforça o superintendente do Sebrae, José "Zeca" Ferreira de Melo Neto. No Seridó, o Sebrae dá assessoria à iniciativa em áreas como a indústria de bonés, alimentos (doces, queijos e a tradicional carne de sol), artesanato e tecelagem.
Melo lembra que em São José do Seridó, 1.000 dos 4.231 habitantes trabalham na indústria de confecções. O índice de extrema pobreza é de 6,46%. Timbaúba dos Batistas é a sede da associação das bordadeiras, uma atividade forte na região, que ocupa grande mão de obra. "Parelhas tem uma indústria cerâmica forte", informa Zeca Melo. O setor está se modernizando para atender às exigências ambientais.
Guamaré: 14,8% da população em extrema pobreza
O município de Guamaré tem o maior Produto Interno Bruto (PIB) per capita do Rio Grande do Norte e um dos melhores do Nordeste, mas o grau de pobreza ainda é grande (14,8%) para uma cidade de 12,4 mil habitantes que só perde para as três maiores em arrecadação.
De janeiro a agosto, Guamaré arrecadou R$ 26,9 milhões só de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), mais do que Parnamirim, que tem 206 mil habitantes. A arrecadação mensal gira em torno de R$ 10 milhões.
Além da refinaria Clara Camarão, estão se instalando no município grandes parques eólicos, como Alegria I e Alegria II. Já estão quase concluídos também os parques de energia eólica de Mangue Seco I. Outros quatro, em Mangue Seco estão em obras.
A prefeitura faz doação, através de cartão magnético, de R$ 130,00 para 2,2 mil famílias do município. Desde que a Petrobras se instalou no município, as oportunidades de emprego se multiplicaram. O problema é que a população não foi capacitada. Por isso, as empresas da área petrolífera foram obrigadas a importar mão-de-obra qualificada. São aproximadamente 3,5 mil pessoas de outras regiões circulando na cidade.
João Dias: 47,79% em extrema pobreza
João Dias - A impressão de quem visita João Dias (47,79%) pela primeira vez é a de que o paraíso fica a um passo dali. A cidade tem ruas limpas, praças bem cuidadas, clima ameno e uma população pacata. Não há pedintes, nem crianças esqueléticas como se vê em fotos que ilustram reportagens sobre fome.
Como todo pequeno município nordestino, a principal fonte de renda é o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). No ano passado, caíram na conta da prefeitura, R$ 3,8 milhões de FPM, dinheiro para a folha salarial e encargos sociais, financiamento da saúde, pagamento dos fornecedores e prestadores de serviço e repasse à Câmara Municipal.
Outra fonte de renda vem das aposentadorias da Previdência Social, e o sustento as famílias tiram do que colhem nas lavouras. Nos últimos anos, dois problemas empurraram a economia municipal para baixo: a irregularidade do inverno e o pagamento dos empréstimos consignados, uma praga que levou os aposentados ao endividamento.
Localizada em cima de uma serra, João Dias enfrentou anos de seca e anos de inverno acima do normal. Nos dois casos, a agricultura de subsistência foi prejudicada com o mesmo rigor.
Atraídos por juros baixos, dinheiro farto e ofertas tentadoras, os aposentados carregaram no cartão de débito do INSS. Hoje, enfrentam a ressaca de pagamento das parcelas acertadas com os bancos e financeiras.
Em função disso, o peso da assistência social aumentou. A prefeitura é quem praticamente banca tudo: do medicamento para jovens, idosos e crianças, até transporte para deslocamento de estudantes e também de pacientes, mesmo que seja para fazer um exame complementar nas cidades-polo da região. "Temos uma despesa alta com medicamentos", afirma a secretária de Administração, Maria de Fátima Duarte de Brito.
As obras da prefeitura em parceria com o Governo Federal são um alento. No município estão sendo construídos um estádio de futebol e uma área de lazer, além de casas populares.
Localizado na zona gravitacional de Mossoró, o município de Upanema tem grande potencial de desenvolvimento. No início da década passada, o Governo do Estado construiu um imenso reservatório para represar as águas dos rios.
UPANEMA
A Barragem de Umari tem capacidade para 300 milhões de metros cúbicos. Mas o projeto de construir um eldorado da agricultura irrigada ficou no papel. Na área da barragem, existem hoje pequenos criadouros de alevinos. Sem acessos pavimentados, Upanema é uma ilha na divisa das regiões Oeste e Central. A população espera, há mais de 50 anos, a conclusão da BR-110, ligando o Oeste ao Seridó. A pavimentação foi iniciada no governo Sarney.
"A cidade cresceu sem se desenvolver"
O prefeito de Ceará-Mirim, Antônio Peixoto, reconhece a situação miserável na qual vivem 10.724 habitantes do município. Segundo ele, a cidade cresceu muito nos últimos anos, mas o crescimento não foi acompanhado de desenvolvimento. "Nós somos a sexta maior população do estado, mas ocupamos a 14ª posição na arrecadação de ICMS", ressalta o prefeito. Atualmente, Ceará-Mirim arrecada mensalmente cerca de R$ 6 milhões em impostos e repasses federais. O valor é similar ao que Guamaré arrecada somente com o ICMS do petróleo extraído da cidade.
Para Antônio Peixoto, é preciso que o Governo Estadual reformule as leis tributárias. "No RN, é importante que ocorra um rateio dos royalties de petróleo com os municípios que arrecadam pouco em impostos". O prefeito ressalta que um dos complicadores que põe o município com uma das populações mais pobres entre as cidades da região metropolitana foi a derrocada da produção de cana de açúcar. Nos últimos vinte anos, todos os engenhos fecharam e somente uma usina ainda está em operação.
Resta aos trabalhadores concorrerem a uma das vagas abertas para o plantio e moagem da cana, cujo trabalho se resume a quatro meses do ano. Em 2011, a única empresa que trabalha na extração da cana contratou temporariamente 1.440 homens. Por dia, eles chegam a cortar até 2.880 toneladas de cana de açúcar. Toda a produção do município será vendida para uma empresa que refina combustível. Raimundo Baracho, de facão em punho, não perdia tempo na derrubada dos pés. "Nós ganhamos pelo o que produzimos. Temos que aproveitar enquanto tem trabalho."
RN tem 405 mil vivendo na pobreza extrema
Ricardo Araújo
Da Tribuna do Norte
A geladeira é nova, porém está vazia. Somente duas garrafas pet com água preenchiam o espaço que comporta até 280 litros não só de líquido. O aposentado Damião Domingos Cardoso, 65, adquiriu o eletrodoméstico após contrair empréstimo de R$ 3 mil junto à Caixa Econômica Federal. Além do refrigerador, ele comprou um aparelho de som e construiu um poço artesanal para captar água para as 18 pessoas que residem na casa de taipa, com sete cômodos, erguida há mais de 40 anos nas cercanias de Ceará-Mirim. Sua aposentadoria, de R$ 545, reduziu para R$ 384 e assim se perpetuará por mais 30 meses, até que a dívida, acrescida de juros, seja paga. Damião é arrimo de família de apenas uma, das 405.812 pessoas que vivem na pobreza extrema no Rio Grande do Norte.
Além da aposentadoria recentemente concedida pelo Instituto Nacional da Previdência Social (INSS), as demais fontes de renda da família Cardoso se resumem ao programa Bolsa Família, do Governo Federal. Pelos filhos que mantém na escola, eles recebem mais R$ 166. Esta regalia, porém, corre o risco de ser perdida, caso as três crianças em idade escolar não retomem a frequência regular nas instituições nas quais estão matriculadas. "Eu abandonei os estudos porque quando eu acordava de manhã, não tinha o que comer e eu não conseguia aprender nada", disse José Roberto, um dos filhos de Damião.
Somando o repasse do INSS com o do Bolsa Família, a renda acumulada mensalmente pelos Cardoso chega a R$ 550. Dividindo-se a monta pelo número de pessoas que dependem diretamente da verba, cada uma "dispõe" de R$ 30,55. O que é insuficiente para financiar, mensalmente, a compra de alimentos, medicamentos e roupas. Para Maria das Graças Basílio, 47, esposa de Damião, entretenimento é "uma coisa que eles não conhecem". Afinal de contas, são "muitas bocas para alimentar e nem sempre o que tem é suficiente".
Sem perspectivas de ampliar a renda, resta a Damião plantar parte do que alimenta a família. "Eu planto feijão, milho, batata e melancia. Tudo é para nosso consumo. Eu não tenho condições de comprar muitos mantimentos", lamenta. Sobre a pobreza na qual vive, ele afirma que hoje os tempos são melhores, mesmo com tantas dificuldades. Na panela com o fundo tingido de preto pelo carvão, cozinhava feijão preto temperado somente com sal e algumas das hortaliças da horta do agricultor.
"Meu filho, a gente agradece a Deus quando tem pelo menos feijão pra comer. Mesmo que seja puro, sem mistura", dizia Maria das Graças, enquanto mexia a panela. Os três filhos mais velhos que ainda moram com os pais não trabalham. Fazem apenas bicos que não garantem a subsistência de nenhum deles. Francisco de Assis, aos 30 anos, sonha no dia que poderá dizer: "sou independente". "Eu queria poder trabalhar pra ajudar meus pais, ter minhas coisas. Mas é tudo muito difícil", reclamava. Francisco jamais teve sua carteira de trabalho assinada.
As lamentações acerca da situação na qual se encontram ecoam como se toda a família orquestrasse o mesmo discurso. "A falta de dinheiro é triste. Quando a gente escuta um filho pedindo comida e não tem como dar, é de partir o coração. Só conhece de verdade a miséria, quem vive nela", ressalta Maria das Graças. Além das consequências da pobreza absoluta, a família Cardoso enfrenta problemas de infraestrutura. Para chegar ao povoado de Capela, precisam se deslocar sete quilômetros a pé. As escolas e o posto de saúde mais próximos estão na comunidade.
Além disso, os casos de doenças provocadas pela má qualidade da água que abastece o povoado são recorrentes. Parte da população sofre com moléstias como verminoses e escabiose. "Este tipo de doença ocorre devido à falta de tratamento na água que bebemos", comenta a agente de saúde, Izabel Cristina. Mesmo diante de tanta miséria, Damião e Graças, unidos à família, não hesitam em sonhar que dias melhores estão por vir.
* Jornal de Fato
O que os municípios de João Dias, Paraná e Venha Ver têm em comum, além da localização geográfica, das ruas arborizadas e praças bem cuidadas? As três estão no topo da pobreza extrema no Rio Grande do Norte, segundo ranking elaborado com base no Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em João Dias, quase metade da população tem renda familiar per capita abaixo de R$ 70 mensais; em Paraná 35,5% e em Venha Ver, cidade que conquistou emancipação política na safra de 1996, o índice de pobreza é de 34,4%.
Os números do IBGE mostram também que municípios com grande potencial econômico, caso de Upanema e Guamaré, aparecem com alto grau de pobreza. Em Upanema, um em cada três habitantes está nesta situação, enquanto em Guamaré o índice é de 14,8%.
Na outra ponta da escala estão municípios como Parnamirim, Natal, Caicó e Mossoró. Entre os dez municípios com menor índice de pobreza, sete são da região do Seridó. "Isso mostra que o combate à miséria não depende de projetos mirabolantes. A região do Seridó há muito não recebe grandes projetos desenvolvimentistas. No entanto, tem os melhores índices de desenvolvimento humano", diz o economista Aldemir Freire, chefe da Unidade Estadual do IBGE no Rio Grande do Norte.
O menor porcentual de pobreza foi verificado na cidade de Timbaúba dos Batistas. Apenas 4,01%. Lá, os recenseadores do IBGE encontram 92 pessoas com renda familiar abaixo de R$ 70 por mês. A lógica seria o Vale do Açu, com seu potencial econômico proporcionado pela produção de energia, sal, camarão, fruticultura, petrolífero, cerâmico e ferro, ser a região mais rica e mais desenvolvida do Rio Grande do Norte. Porém, ironicamente a cidade mais rica do Estado é também a que tem a população mais pobre, no caso Guamaré.
"Não dá para construir um aeroporto em cada cidade. A saída é trabalhar as vocações", reforça o superintendente do Sebrae, José "Zeca" Ferreira de Melo Neto. No Seridó, o Sebrae dá assessoria à iniciativa em áreas como a indústria de bonés, alimentos (doces, queijos e a tradicional carne de sol), artesanato e tecelagem.
Melo lembra que em São José do Seridó, 1.000 dos 4.231 habitantes trabalham na indústria de confecções. O índice de extrema pobreza é de 6,46%. Timbaúba dos Batistas é a sede da associação das bordadeiras, uma atividade forte na região, que ocupa grande mão de obra. "Parelhas tem uma indústria cerâmica forte", informa Zeca Melo. O setor está se modernizando para atender às exigências ambientais.
Guamaré: 14,8% da população em extrema pobreza
O município de Guamaré tem o maior Produto Interno Bruto (PIB) per capita do Rio Grande do Norte e um dos melhores do Nordeste, mas o grau de pobreza ainda é grande (14,8%) para uma cidade de 12,4 mil habitantes que só perde para as três maiores em arrecadação.
De janeiro a agosto, Guamaré arrecadou R$ 26,9 milhões só de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), mais do que Parnamirim, que tem 206 mil habitantes. A arrecadação mensal gira em torno de R$ 10 milhões.
Além da refinaria Clara Camarão, estão se instalando no município grandes parques eólicos, como Alegria I e Alegria II. Já estão quase concluídos também os parques de energia eólica de Mangue Seco I. Outros quatro, em Mangue Seco estão em obras.
A prefeitura faz doação, através de cartão magnético, de R$ 130,00 para 2,2 mil famílias do município. Desde que a Petrobras se instalou no município, as oportunidades de emprego se multiplicaram. O problema é que a população não foi capacitada. Por isso, as empresas da área petrolífera foram obrigadas a importar mão-de-obra qualificada. São aproximadamente 3,5 mil pessoas de outras regiões circulando na cidade.
João Dias: 47,79% em extrema pobreza
João Dias - A impressão de quem visita João Dias (47,79%) pela primeira vez é a de que o paraíso fica a um passo dali. A cidade tem ruas limpas, praças bem cuidadas, clima ameno e uma população pacata. Não há pedintes, nem crianças esqueléticas como se vê em fotos que ilustram reportagens sobre fome.
Como todo pequeno município nordestino, a principal fonte de renda é o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). No ano passado, caíram na conta da prefeitura, R$ 3,8 milhões de FPM, dinheiro para a folha salarial e encargos sociais, financiamento da saúde, pagamento dos fornecedores e prestadores de serviço e repasse à Câmara Municipal.
Outra fonte de renda vem das aposentadorias da Previdência Social, e o sustento as famílias tiram do que colhem nas lavouras. Nos últimos anos, dois problemas empurraram a economia municipal para baixo: a irregularidade do inverno e o pagamento dos empréstimos consignados, uma praga que levou os aposentados ao endividamento.
Localizada em cima de uma serra, João Dias enfrentou anos de seca e anos de inverno acima do normal. Nos dois casos, a agricultura de subsistência foi prejudicada com o mesmo rigor.
Atraídos por juros baixos, dinheiro farto e ofertas tentadoras, os aposentados carregaram no cartão de débito do INSS. Hoje, enfrentam a ressaca de pagamento das parcelas acertadas com os bancos e financeiras.
Em função disso, o peso da assistência social aumentou. A prefeitura é quem praticamente banca tudo: do medicamento para jovens, idosos e crianças, até transporte para deslocamento de estudantes e também de pacientes, mesmo que seja para fazer um exame complementar nas cidades-polo da região. "Temos uma despesa alta com medicamentos", afirma a secretária de Administração, Maria de Fátima Duarte de Brito.
As obras da prefeitura em parceria com o Governo Federal são um alento. No município estão sendo construídos um estádio de futebol e uma área de lazer, além de casas populares.
Localizado na zona gravitacional de Mossoró, o município de Upanema tem grande potencial de desenvolvimento. No início da década passada, o Governo do Estado construiu um imenso reservatório para represar as águas dos rios.
UPANEMA
A Barragem de Umari tem capacidade para 300 milhões de metros cúbicos. Mas o projeto de construir um eldorado da agricultura irrigada ficou no papel. Na área da barragem, existem hoje pequenos criadouros de alevinos. Sem acessos pavimentados, Upanema é uma ilha na divisa das regiões Oeste e Central. A população espera, há mais de 50 anos, a conclusão da BR-110, ligando o Oeste ao Seridó. A pavimentação foi iniciada no governo Sarney.
"A cidade cresceu sem se desenvolver"
O prefeito de Ceará-Mirim, Antônio Peixoto, reconhece a situação miserável na qual vivem 10.724 habitantes do município. Segundo ele, a cidade cresceu muito nos últimos anos, mas o crescimento não foi acompanhado de desenvolvimento. "Nós somos a sexta maior população do estado, mas ocupamos a 14ª posição na arrecadação de ICMS", ressalta o prefeito. Atualmente, Ceará-Mirim arrecada mensalmente cerca de R$ 6 milhões em impostos e repasses federais. O valor é similar ao que Guamaré arrecada somente com o ICMS do petróleo extraído da cidade.
Para Antônio Peixoto, é preciso que o Governo Estadual reformule as leis tributárias. "No RN, é importante que ocorra um rateio dos royalties de petróleo com os municípios que arrecadam pouco em impostos". O prefeito ressalta que um dos complicadores que põe o município com uma das populações mais pobres entre as cidades da região metropolitana foi a derrocada da produção de cana de açúcar. Nos últimos vinte anos, todos os engenhos fecharam e somente uma usina ainda está em operação.
Resta aos trabalhadores concorrerem a uma das vagas abertas para o plantio e moagem da cana, cujo trabalho se resume a quatro meses do ano. Em 2011, a única empresa que trabalha na extração da cana contratou temporariamente 1.440 homens. Por dia, eles chegam a cortar até 2.880 toneladas de cana de açúcar. Toda a produção do município será vendida para uma empresa que refina combustível. Raimundo Baracho, de facão em punho, não perdia tempo na derrubada dos pés. "Nós ganhamos pelo o que produzimos. Temos que aproveitar enquanto tem trabalho."
RN tem 405 mil vivendo na pobreza extrema
Ricardo Araújo
Da Tribuna do Norte
A geladeira é nova, porém está vazia. Somente duas garrafas pet com água preenchiam o espaço que comporta até 280 litros não só de líquido. O aposentado Damião Domingos Cardoso, 65, adquiriu o eletrodoméstico após contrair empréstimo de R$ 3 mil junto à Caixa Econômica Federal. Além do refrigerador, ele comprou um aparelho de som e construiu um poço artesanal para captar água para as 18 pessoas que residem na casa de taipa, com sete cômodos, erguida há mais de 40 anos nas cercanias de Ceará-Mirim. Sua aposentadoria, de R$ 545, reduziu para R$ 384 e assim se perpetuará por mais 30 meses, até que a dívida, acrescida de juros, seja paga. Damião é arrimo de família de apenas uma, das 405.812 pessoas que vivem na pobreza extrema no Rio Grande do Norte.
Além da aposentadoria recentemente concedida pelo Instituto Nacional da Previdência Social (INSS), as demais fontes de renda da família Cardoso se resumem ao programa Bolsa Família, do Governo Federal. Pelos filhos que mantém na escola, eles recebem mais R$ 166. Esta regalia, porém, corre o risco de ser perdida, caso as três crianças em idade escolar não retomem a frequência regular nas instituições nas quais estão matriculadas. "Eu abandonei os estudos porque quando eu acordava de manhã, não tinha o que comer e eu não conseguia aprender nada", disse José Roberto, um dos filhos de Damião.
Somando o repasse do INSS com o do Bolsa Família, a renda acumulada mensalmente pelos Cardoso chega a R$ 550. Dividindo-se a monta pelo número de pessoas que dependem diretamente da verba, cada uma "dispõe" de R$ 30,55. O que é insuficiente para financiar, mensalmente, a compra de alimentos, medicamentos e roupas. Para Maria das Graças Basílio, 47, esposa de Damião, entretenimento é "uma coisa que eles não conhecem". Afinal de contas, são "muitas bocas para alimentar e nem sempre o que tem é suficiente".
Sem perspectivas de ampliar a renda, resta a Damião plantar parte do que alimenta a família. "Eu planto feijão, milho, batata e melancia. Tudo é para nosso consumo. Eu não tenho condições de comprar muitos mantimentos", lamenta. Sobre a pobreza na qual vive, ele afirma que hoje os tempos são melhores, mesmo com tantas dificuldades. Na panela com o fundo tingido de preto pelo carvão, cozinhava feijão preto temperado somente com sal e algumas das hortaliças da horta do agricultor.
"Meu filho, a gente agradece a Deus quando tem pelo menos feijão pra comer. Mesmo que seja puro, sem mistura", dizia Maria das Graças, enquanto mexia a panela. Os três filhos mais velhos que ainda moram com os pais não trabalham. Fazem apenas bicos que não garantem a subsistência de nenhum deles. Francisco de Assis, aos 30 anos, sonha no dia que poderá dizer: "sou independente". "Eu queria poder trabalhar pra ajudar meus pais, ter minhas coisas. Mas é tudo muito difícil", reclamava. Francisco jamais teve sua carteira de trabalho assinada.
As lamentações acerca da situação na qual se encontram ecoam como se toda a família orquestrasse o mesmo discurso. "A falta de dinheiro é triste. Quando a gente escuta um filho pedindo comida e não tem como dar, é de partir o coração. Só conhece de verdade a miséria, quem vive nela", ressalta Maria das Graças. Além das consequências da pobreza absoluta, a família Cardoso enfrenta problemas de infraestrutura. Para chegar ao povoado de Capela, precisam se deslocar sete quilômetros a pé. As escolas e o posto de saúde mais próximos estão na comunidade.
Além disso, os casos de doenças provocadas pela má qualidade da água que abastece o povoado são recorrentes. Parte da população sofre com moléstias como verminoses e escabiose. "Este tipo de doença ocorre devido à falta de tratamento na água que bebemos", comenta a agente de saúde, Izabel Cristina. Mesmo diante de tanta miséria, Damião e Graças, unidos à família, não hesitam em sonhar que dias melhores estão por vir.
* Jornal de Fato
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