De Sérgio Henrique Santos, especial para o Diário de Natal
Macas retidas na porta do maior hospital público do Rio Grande do Norte. O cenário típico de uma segunda-feira no Hospital Walfredo Gurgel é reflexo do alto índice de atendimentos no setor de politrauma por causa dos acidentes de moto durante os finais de semana. Quarenta e dois por cento das vítimas de acidentes de trânsito no Estado são decorrentes de motocicletas, o que representa o 3º maior índice do Nordeste, região que detém o maior mercado consumidor, e que comprou no ano passado, 35% de todas as motos vendidas no país. O RN só perde para Sergipe, com 44%, e Piauí, que lidera o ranking com quase metade das pessoas que morreram no trânsito quando estavam sobre duas rodas.
Por causa esse assunto, o Rio Grande do Norte foi destaque no último domingo em matéria exibida pelo Fantástico, da Rede Globo. O Ministério da Saúde se mostrou preocupado com a liderança do Nordeste. "Quase 80% dos óbitos por motocicletas são de pessoas entre 15 e 39 anos", declarou o ministro Alexandre Padilha. Mossoró foi apontada pela reportagem como a maior frota proporcional do país. Um em cada quatro moradores da cidade, distante 285 quilômetros da capital, é motociclista.
De acordo com o setor de estatísticas do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), a frota de motos no Estado é de 302.141 veículos, o que corresponde a 34,92% de um total liderado pelos automóveis (45,23%). Natal tem 71.521 motos (23,67%), e Mossoró, 42.871 (14,19% do total no estado). As outras cidades do interior detém 63,14% da frota, o que preocupa as autoridades de saúde pública.
O médico Domício Arruda, titular da Secretaria Estadual de Saúde (Sesap), afirma que é previsível o aumento do número de acidentados entre a noite da sexta-feira e a manhã do domingo nos maiores hospitais da rede. "O problema tem se agravado a cada dia. Hoje, por sinal, esse é o principal motivo de internação na parte de traumatologia dos maiores hospitais do Estado. Outra preocupação é o interior do Estado, onde está a maior parte das motocicletas e muitas vezes o deslocamento para esses hospitais de referência atrasam o socorro médico. Infelizmente, às vezes, a demora é fatal", afirma.
A cada três dias, uma pessoa morre por causa de problemas com acidentes de moto no perímetro entre a região metropolitana de Natal e a região do Mato Grande. "Proporcionalmente morre mais gente nessas regiões do que nas regiões metropolitanas de São Paulo (1,5 por dia) e Rio de Janeiro (um a cada dois dias). Isso é grave porque temos que levar em conta que estas metrópoles são muito mais populosas que nossa região", destaca o ortopedista e traumatologista Julimar Nogueira, do Hospital Walfredo Gurgel.
No HWG, a média de atendimento por acidente de moto gira em torno de 80 a 90 acidentados por final de semana, o pico semanal dos traumas. "Vivemos uma epidemia no trânsito por causa dos acidentes por moto. A maioria causa severos danos ao paciente, seus familiares e à sociedade por se tratar de vítimas que permanecem afastadas do seu trabalho. Esta situação deve ser encarada como um problema de saúde pública. Há um grande numero de doentes com sequelas, uma legião de sequelados - a maior parte sem produzir. Gera um custo muito alto tanto para a assistência quanto para previdência", colocou o médico.
Influência do álcool
Na grande maioria dos acidentes, as vítimas estão alcoolizadas. "A mesma motocicleta que é usada durante a semana para trabalhar, vira veículo de lazer nos finais de semana", diz Domício Arruda. Por causa da relação álcool e uso de veículos como motos e carros, o problema se agrava. Quem pilota uma moto após beber, por exemplo, põe em risco a vida de outras pessoas, além de si próprio. Para tentar diminuir o uso de álcool nas estradas durante o verão, a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesed) intensificou as blitzen e testes de bafômetro nas estradas que são os principais destinos dos veranistas. "Esperamos que, após a Operação Verão, as estatísticas melhorem. Ainda é cedo para observar os resultados", contou Arruda.
O coronel Francisco Canindé de Freitas, comandante da Polícia Rodoviária Estadual (CPRE) disse que a partir desse mês de janeiro foram intensificadas as operações para coibir irregularidades sobre duas rodas. No final de semana passado foram apreendidas 60 motocicletas por diversos motivos: falta de capacetes, carteiras de habilitação e outros equipamentos obrigatórios. Foram realizados 1.800 testes de bafômetros, mas nenhum motociclista foi flagrado bêbado. "O trabalho está sendo feito não para diminuir a quantidade, e sim a gravidade de acidentes", afirma Freitas.
Para o comandante, os acidentes são praticamente inevitáveis. "No momento em que não se ampliam as rodovias, nem é possível diminuir o aumento das vendas de novas motos, cabe ao CPRE trabalhar para que a legislação de trânsito seja cumprida. Fiscalizando assim queremos reduzir a gravidade desses casos", explicou.
Mossoró: maior frota proporcional do país
Mossoró, a maior cidade do interior do Rio Grande do Norte, proporcionalmente, tem a maior frota de motos do Brasil. A cada quatro moradores, um é motociclista. No maior hospital regional do Oeste do Estado, o Tarcísio Maia, a demanda por este tipo de atendimento também tem sido alta, a exemplo do Walfredo Gurgel em Natal. "Ao assumir a direção, em fevereiro do ano passado, estudamos todos os setores do hospital e encontramos dados extremamente preocupantes. 75% dos acidentados de trânsito aqui na cidade têm relação com motocicletas", conta Ney Robson, diretor do hospital mossoroense.
Mossoró e região totalizou, no ano passado, 6.668 acidentes de moto, 68% do total de ocorrências, ante 1.002 acidentes com carros (10% do total). Outros tipos de acidentes registrados no Hospital Regional Tarcísio Maia (HRTM), 2.142 (22% do total) correspondem a ocorrências com tração animal, capotamento, atropelamentos e com bicicletas.
Para tentar minimizar o problema, o HRTM criou o Fórum Permanente do Trânsito de Mossoró, econvocou instituições como Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Rotary, Lions, Ministério Público e polícias rodoviárias estadual (CPRE) e federal (PRF), entre outros parceiros, como as autoescolas. "Agimos em duas frentes. A curto prazo, em ações de combate ostensivo às irregularidades de trânsito, com aplicação da lei seca; e num olhar de médio e longo prazo, investindo na educação de trânsito através do Detran e em reuniões com a sociedade civil. Este é um problema de saúde pública grave e que tem que ser enfrentado como tal", classificou Ney Robson.
Epidemia nacional
Hoje o Ministério da Saúde já encara o problema como uma epidemia nacional. "Não adianta abrir mais leitos e leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTIs) se os acidentes são uma 'doença evitável', digamos assim. Para evitar acidentes, temos que preveni-los. Por isso a importância da conscientização", diz Domício Arruda, da Sesap. A média diária de acidentados com motos que dão entrada no HWG, na capital potiguar, é de 20 ocorrências. Segundo o cirurgião geral, Geraldo Bezerra, os acidentes de moto atendidos no setor de politrauma vão desde os casos mais simples como arranhões até situações mais graves como traumatimos cranianos ou abdominais.
Ele também aponta as facilidades oferecidas pelas concessionárias, a economia com o reabastecimento, aliada à imprudência de alguns motoqueiros como os fatores preponderantes para ocorrências do tipo. "O binômio moto/álcool é responsável por 90% dos atendimentos registrados no Walfredo", conta. O cirurgião alerta para a necessidade de uma fiscalização mais rigorosa e de um melhor policiamento, inclusive nas cidades do interior. O médico critica o fato de que há localidades no Rio Grande do Norte onde até os prefeitos proíbem o uso do capacete, sob o argumento de que, dessa forma, são coibidos assaltos.
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