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domingo, 6 de junho de 2010

O DPVAT e a ‘indústria’ de indenizações
O que foi criado originalmente como uma garantia para vítimas de acidente de trânsito tem se transformado numa indústria de indenizações, atrativa para espertos advogados e corretoras de seguro. Pouco conhecido da população em geral, o seguro DPVAT - obrigatório para qualquer veículo - virou um importante nicho de mercado. Formaram-se empresas e "especialistas" em conseguir indenizações por invalidez, morte e reembolso de despesas hospitalares. Contudo, o seguro DPVAT - Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores em Via Terrestre - não precisa de intermediários e, com um processo simples, pode ser acionado por qualquer cidadão.
Em Natal, não é difícil perceber como as indenizações do seguro DPVAT são alvo de pessoas e empresas com intenção de obter vantagens financeiras. Há folders entregues nas ruas, em hospitais, anúncios em emissoras de rádios e pessoas circulando em hospitais e funerárias para "captar clientes". Como a maioria da população não conhece o funcionamento do seguro, fica fácil convencer da necessidade de um intermediário. "Boa parte dos pedidos que recebemos são feitos por procuração, a partir de pessoas que prestam serviços aos beneficiários. As pessoas não sabem que podem utilizar o seguro sozinhas", diz Gilson Luiz, gestor de Sinistros da Porto Seguro Cia de Seguros Gerais.
O seguro DPVAT funciona a partir de um consórcio de seguradoras em todo o Brasil. A administradora é a Seguradora Líder, com sede no Rio de Janeiro. É a Líder que gerencia, desde 2003, a partir de uma licitação do Governo Federal, o pagamento dos sinistros de seguro obrigatório. Em todo o Brasil, e em Natal inclusive, há seguradoras consorciadas, responsáveis por receber os documentos e enviá-los para a Líder. São seis as seguradoras consorciadas em Natal: Capemisa Seguradora, Federal Seguros, Mapfre Vera Cruz, MBM Seguradora, Nobre Seguradora e Porto Seguro. O detalhe mais importante desse modo de funcionamento é que as consorciadas não podem cobrar pelo encaminhamento dos seguros.
As vítimas de acidentes de trânsito são indenizadas em três categorias: reembolso de despesas hospitalares, até R$ 2,7 mil; invalidez total ou parcial, até R$ 13,5 mil; e morte - no caso, paga aos herdeiros da vítima - até R$ 13,5 mil. O caminho mais indicado para se obter os valores é procurar uma seguradora consorciada com os documentos pedidos. A consorciada irá orientar e dar seguimento ao processo burocrático sem cobrar nada dos beneficiários. O dinheiro sai em 30 dias após a apresentação de todos os documentos. O não pagamento pelos serviços se dá por um motivo simples: a Seguradora Líder, administradora do DPVAT, remunera cada consorciada por cada procedimento.
Apesar da simplicidade do processo, o DPVAT só conseguiu recentemente ficar conhecido da população em geral. Dados da Líder comprovam: em apenas quatro meses, o Rio Grande do Norte já solicitou 43% de tudo o que foi pedido de indenizações de reembolso no ano passado. A tendência é que o número de pedidos cresça. O aumento do nível de conhecimento tem sido seguido do aumento de "intermediários", empresas, corretores de seguro e advogados. Muitos trabalham unicamente com isso. A Líder é enfática: não é recomendada a contratação de terceiros para dar entrada no seguro, muito menos com assinatura de procurações para desconhecidos. Essa prática, é bom frisar, não é ilegal. Trata-se de uma simples prestação de serviços. Contudo, ela abre a brecha para situações constrangedoras e fraudes no seguro.
Captação de clientes
A identificação de clientes começa nos próprios hospitais. Quando o "intermediário" não se trata de um próprio funcionário do hospital, que faz a ponte com as empresas que tratam disso, os hospitais públicos encaminham pacientes para fazer cirurgia "pelo DPVAT". A expressão diz muito: é como se o DPVAT fosse uma espécie de convênio. Mas não é. O que acontece é o seguinte: quando não há vagas no Sistema Único de Saúde, alguns hospitais particulares recebem o paciente para uma cirurgia particular, mas cobra uma "garantia" de recebimento do dinheiro do seguro a posteriori.
Ribamar Queiroz passou por uma situação semelhante. Após um acidente de moto no fim do ano passado, ele foi atendido no Hospital Walfredo Gurgel. Como se sabe, o Walfredo Gurgel apenas "estabiliza" o paciente e, caso seja necessário uma cirurgia corretiva, há o remanejamento para um hospital conveniado. Esse remanejamento, teoricamente, deveria ser feito pelo SUS. Todavia, a fila é longa, sempre beira o número de 200 pessoas em espera. Quando o paciente não quer esperar, há a captação para cirurgia "por DPVAT".
Foi o que aconteceu com Ribamar. Ele esperou por 15 dias e, por meio de um amigo, ficou sabendo que hospitais particulares faziam a cirurgia através do seguro. Chegando a um deles, Ribamar foi enviado para um funcionário específico que dá início ao procedimento. Para conseguir a cirurgia, Ribamar precisou assinar uma procuração, dentro do Hospital, dando poderes a um funcionário de uma corretora de seguros realizar a representação junto às consorciadas do seguro e para abrir uma conta na Caixa Econômica Federal no nome do paciente. Dessa forma, a corretora de seguro recebe o valor da cirurgia e repassa para o Hospital. Obviamente, a corretora cobra uma porcentagem do pagamento.
A disputa pelo mercado de indenizações é tão intensa que Ribamar se viu numa situação curiosa. A cirurgia no antebraço esquerdo custou R$ 2,6 mil, de acordo com o hospital. Esse é o máximo que o DPVAT paga por despesas médico-hospitalares. Após um mês da cirurgia, ele foi chamado novamente e informado que tinha "um dinheiro" para receber. Ao chegar à Caixa Econômica, percebeu que havia recebido mais R$ 2,6 mil, dos quais a metade, havia sido sacada pela seguradora. "Eles primeiro me disseram que seria 20% e no final tiraram a metade", reclama. Ainda assim, sem entender o que acontecia, Ribamar recebeu uma ligação de outra corretora. "Eles disseram que eu poderia receber mais R$ 13,5 mil e eu assinei outros papéis para eles", relata. Trata-se da indenização por invalidez parcial.
A partir do caso de Ribamar, podemos entender a posição da Seguradora Líder, ao não recomendar a assinatura de procurações e nem o uso de intermediários (embora a empresa garanta que não há ilegalidade na prática, é bom ressaltar mais uma vez). Ribamar Queiroz afirma que não leu tudo o que assinou. Ele não soube, no momento, o quanto a procuração utilizada era ampla. Ela dava direito, por exemplo, ao procurador retirar dinheiro da sua conta sem avisá-lo. A procuração, de acordo com o texto ao qual a TRIBUNA DO NORTE teve acesso, tem validade de 12 meses. Não é de se estranhar que metade da indenização tenha sido cobrada pela corretora sem aviso prévio.
Nem todos aceitam
Robson Pereira da Conceição passou pelos mesmos caminhos de Ribamar Queiroz. Com uma diferença: achou estranha a forma utilizada para fazer a cirurgia. Como precisava do procedimento médico, ele assinou todos os papéis e, pouco tempo depois, cancelou a procuração, para dar início ao processo do seguro sozinho. Assim, comprou uma briga com hospitais, corretora de seguros e com a Caixa Econômica Federal.
"Não entendo como se utiliza uma procuração tão ampla para fazer uma cirurgia em uma pessoa. Além disso, é preciso dizer que as pessoas que assinam estão em um estágio de fragilidade muito grande", explica o seu ponto de vista. Após cancelar a procuração, Robson foi até o Ministério Público Federal, fez boletim de ocorrência para denunciar o que acredita ser uma prática abusiva. Atualmente, ele tenta obter os documentos necessários na Justiça para conseguir sozinho o seguro DPVAT e pagar a conta do hospital.
Fonte: Jornal de Fato

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