Confira abaixo a integra da Carta do Cabo Jeoás que foi lida no plenário do Congresso Federal em Brasilia/DF. Estou tranquilo e confiante, mas ninguém tem ideia das angústias e das tribulações que tenho enfrentado corajosamente e, às vezes, de forma solitária diante de uma prisão injusta, ilegal e sem nenhuma prova que me incrimine. Meu direito de defesa está sendo cerceado, pois meus advogados não estão tendo acesso ao processo, impossibilitando, assim, minha defesa.
Não tenho a intenção de partidarizar essa retaliação, mas tenho a obrigação de politizar esse debate. Temos, de forma competente e comprometida, conscientizado e mobilizado a nossa categoria a nível nacional na luta pela desmilitarização. Questão que tem ganhado força e apoio da sociedade civil organizada.
Participamos de negociações importantes como mediadores nos conflitos entre a categoria e governos estaduais e assim conquistamos vitórias como: a valorização salarial, a reforma nas legislações, o respeito e a ascensão social, intelectual e financeira. Em alguns estados conseguimos: a definição de carga horária, planos de carreira, ingresso com nível superior, aposentadoria aos 25 anos, paridade de direitos e deveres entre oficiais e praças e entre ativos e inativos e ao término de 2012 a média salarial nacional do policial militar será maior que R$ 2.000.
Em âmbito nacional participamos de debates e articulações estratégicas como a defesa da desmilitarização na 1º Conferência Nacional de Segurança Pública. Tema, que por sinal, foi o mais votado nos debates municipais e estaduais da conferência. Compomos o Conselho Nacional de Segurança Pública, no qual, já encaminhamos temas como: fim da prisão administrativa, financiamento da Segurança Pública, estrutura e condições adequadas de trabalho, matrizes curriculares nacionais e matrizes nacionais de legislação como código de ética e estatuto, dentre outros assuntos. Além de participarmos e construirmos, junto com a Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal, da elaboração das Diretrizes Nacionais de Defesa dos Direitos Humanos dos Profissionais de Segurança.
Todo esse histórico, preocupa setores da sociedade que defendem a arbitrariedade, a imposição e a ditadura, ou seja, o retrocesso antidemocrático de exceção e de cerceamento dos direitos e garantias conquistadas por muitos que hoje estão no poder.
A minha prisão e a de outros companheiros policiais e bombeiros militares tem se demonstrado uma postura de retaliação, insanidade e insensatez. Uma tentativa de esconder uma realidade que assola o país desde 1997, época em que se iniciaram as primeiras greves da Polícia Militar pela reivindicação de um Plano de Valorização dos Profissionais de Segurança e a, consequente, modernização e eficácia do serviço de Segurança Pública. Passados 15 anos de lutas, mobilizações e greves por todo o país ainda não se tem resposta para essa realidade, pelo contrário, os gestores brincam e não encaram os problemas da Segurança Pública. Um exemplo emergente é a "epidemia" do uso de crack que se espalha pelo Brasil e que tem atingindo inclusive policiais e suas famílias. Precisamos de respostas. Não aceitaremos e nem nos calaremos mesmo nos calabouços, masmorras e prisões dessa falsa democracia.
Em 2007, fui excluído da Polícia Militar por essa luta e depois reintegrado. Em 2009, tive prisão decretada em Roraima, por participar das negociações naquele estado, e agora cumpro prisão preventiva no BOPE/RN em nome da defesa de nossos direitos, da construção de nossa cidadania, dignidade e valorização profissional. Tenho certeza que minha luta não será em vão e que todas as perseguições e retaliações, que sofremos por defender nossa categoria, terão resposta no momento certo, pois já sabemos nos impor e nos fazer respeitar.
Somos homens e mulheres de coragem. Enfrentamos a criminalidade, defendemos o direito e a vida da sociedade e com essa mesma coragem e determinação aprendemos a defender nossos direitos. Não me arrependo de lutar por essa classe sofrida e sem o devido reconhecimento de sua dedicação. Enquanto cada um dorme, patrulhamos e, às vezes, arriscamos nossa vida para defender a sua. Mesmo sem estrutura e condições de trabalho, superamos as dificuldades para desempenhar nossa missão.
Somos submetidos, pelo poder público, a uma carga horária excessiva, sem direito a hora extra ou a direitos constitucionais de insalubridade, periculosidade e trabalho noturno. Não temos assistência médica adequada, nem tratamento pós-traumático, nem acompanhamento psíquico, nem social, não temos valorização profissional, nem plano de carreira na vida policial e ainda somos submetidos a um regime antidemocrático e ditatorial que nos impõe o silêncio, que nos rouba o direito de liberdade de expressão, da atividade sindical e política.
Lutamos simplesmente para sermos tratados como qualquer cidadão brasileiro, mas somos tratados como bandidos e proibidos de reivindicar nossos direitos, com risco de prisão e exclusão, sem um devido processo legal como desmanda a constituição. A sociedade tem estado ao nosso lado nessa luta e tem demonstrado apoio e afirmado que deseja mudanças no formato de Segurança Pública. Tenho absoluta certeza que a sociedade não vai aceitar o tratamento que temos recebido e a postura do poder público de tentar criminalizar nossas lutas e de desqualificar nossas lideranças.
Agradeço a minha família que tem superado a ausência e apoiado nossa luta. A minha esposa, que está grávida, que só me faz pensar no dia em que sairei dessa prisão para cuidar dela e de minha filha. Minha luta é para que ela venha ao mundo e se orgulhe de ter um pai que defendeu seus princípios e ideais e lutou para que tenhamos verdadeiramente uma sociedade democrática, justa e livre.
Agradeço aos meus amigos que demostram diariamente solidariedade e carinho nesse momento de dor e sofrimento. Agradeço a todos os sindicatos e organizações comunitárias, movimentos sociais e partidos políticos que demostraram apoio e solidariedade. Agradeço a todos os pastores e irmãos em Cristo que tem orado e intercedido junto ao Pai por nossa causa. Agradeço aos funcionários e diretores da ACS PM/RN que tem demostrado coragem e desprendimento em defender essa bandeira da democratização da instituição que tanto amamos. E em especial agradeço a cada policial e bombeiro que acredita na luta e que mesmo com todas as retaliações e dificuldades para garantir a segurança da sociedade tem demostrado sua dedicação e amor à profissão.
Tenham certeza que estarei sempre à frente da luta por dignidade, respeito e democratização e em nenhum momento vacilarei nessa defesa. Não me arrependo de defender essa categoria e o farei quantas vezes sejam necessárias. Acredito que os homens e mulheres policiais e bombeiros do Rio Grande do Norte estarão firmes na defesa e construção de uma polícia mais justa e cidadã, que respeite e defenda os direitos humanos da sociedade e de seus trabalhadores. Pois não é crime lutar e sonhar por dias melhores e por uma sociedade melhor para todos. É dessa forma que alcançaremos respeito e valorização!